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#Relatos#Literatura Brasileira

História da Província de Santa Cruz

Por Pero de Magalhães Gândavo (1576)

Ha outra fruta que nasce pelo mato em umas arvores tamanhas como pereiras, ou macieiras: a qual é de feição de peros repinaldos, e muito amarela. A esta fruta chamam cajús: tem muito sumo, e come-se pela calma para refrescar, porque é ela de sua natureza muito fria, e de maravilha faz mal, ainda que se desmandem nela. Na ponta de cada pomo destes se cria um caroço tamanho como castanha, da feição de fava: o qual nasce primeiro, e vem diante da mesma fruta como flor; a casca dele é muito amargosa em extremo, e o miolo assado é muito quente de sua propriedade e mais gostoso que a amêndoa.

Outras muitas frutas ha nesta Província de diversas qualidades comuns a todos, e são tantas que já se acharão pela terra dentro algumas pessoas as quais se sustentavam com elas muitos dias sem outro mantimento algum. Estas que aqui escrevo, são as que os Portugueses têm entre si em mais estima, e as melhores da terra.

Algumas deste Reino se dão tão bem nestas partes, convém a saber, muitos melões, pepinos, romãs e figos de muitas castas; muitas parreiras que dão uvas duas, três vezes no ano, e de toda outra fruta da terra ha sempre a mesma abundância por causa de não haver la (como digo) frios, que lhes façam nenhum prejuízo. De cidras, limões, e laranjas ha muita infinidade, porque se dão muito na terra estas arvores de espinho, e multiplicam mais que as outras.

Além das plantas que produzem de si estas frutas, e mantimentos que na terra se comem, ha outras de que os moradores fazem suas fazendas, convém a saber, muitas canas de açúcar, e algodoais, que é a principal fazenda que ha nestas partes, de que todos se ajudam e fazem muito proveito em cada uma destas Capitanias, especialmente na de Pernãobuco que são feitos perto de trinta engenhos, e na Bahia do Salvador quase outros tantos, donde se tira cada um ano grande quantidade de açucares, e se dá infinito algodão, e mais sem comparação que em nenhumas das outras. Tão bem ha muito pão brasil nestas Capitanias de que os mesmos moradores alcançam grande proveito: o qual pão se mostra claro ser produzido da quentura do Sol, e criado com a influencia de seus raios, porque não se acha se não debaixo da tórrida Zona, e assim quando mais perto está da linha Equinocial, tanto é mais fino e de melhor tinta; e esta é a causa porque o não ha na Capitania de São Vicente nem daí para o Sul.

Um certo gênero de arvores ha tão bem pelo mato dentro na Capitania de Pernãobuco a que chamam Copahibas de que se tira bálsamo mui salutifero e proveitoso em extremo, para enfermidades de muitas maneiras, principalmente as que procedem da frialdade: causa grandes efeitos, e tira todas as dores por graves que sejam em muito breve espaço. Para feridas ou quaisquer outras chagas, tem a mesma virtude, as quais tanto que com ele lhe acodem, saram mui depressa, e tira os sinais de maneira, que de maravilha se enxerga onde estiveram e nisto faz vantagem a todas as outras medicinas. Este óleo não se acha todo o ano perfeitamente nestas arvores, nem procuram ir busca-lo senão no estio que é o tempo em que assinaladamente o criam. E quando querem tira-lo dão certos golpes ou furos no tronco delas pelos quais pouco a pouco estão estilando do âmago este licor precioso. Porém não se acha em todas estas arvores se não em algumas a que por este respeito dão o nome de fêmea, e as outras que carecem dele chamam machos, e nisto somente se conhece a diferença destes dous gêneros, que na proporção e semelhança não difere nada umas das outras. As mais delas se acham roçadas dos animais, que por instinto natural quando se sentem feridos ou mordidos de alguma fera as vão buscar para remédio de suas enfermidades.

Outras arvores diferentes destas ha na Capitania dos Ilhéus, e na do Espírito Santo a que chamam Caborahibas, de que tão bem se tira outro bálsamo: o qual sai da casca da mesma arvore, e cheira suavíssimamente. Tão bem aproveita para as mesmas enfermidades, e aqueles que o alcançam tem-no em grande estima e vendem-no por muito preço, porque além de as tais arvores serem poucas correm muito risco as pessoas que o vão buscar, por causa dos inimigos que andam sempre naquela parte emboscados pelo mato e não perdoam a quantos acham.

(continua...)

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