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#Relatos#Literatura Brasileira

História da Província de Santa Cruz

Por Pero de Magalhães Gândavo (1576)

Primeiramente tratarei da planta e raiz de que os moradores fazem seus mantimentos que la comem em lugar de pão. A raiz se chama mandioca, e a planta de que se gera é de altura de um homem pouco mais ou menos. Esta planta não é muito grossa, e tem muitos nós: quando a querem plantar em alguma roça cortamna e fazem-na em pedaços, os quais metem debaixo da terra, depois de cultivada, como estacas, e daí tornam arrebentar outras plantas de novo: e cada estaca destas cria três ou quatro raízes e daí para cima (segundo a virtude da terra em que se planta) as quais põem nove ou dez meses em se criar: salvo em São Vicente que põem três anos por causa da terra ser mais fria.

Estas raízes a cabo deste tempo se fazem mui grandes á maneira de Inhames de S. Thomé, ainda que as mais delas são compridas e revoltas de feição de corno de boi. E depois de criadas desta maneira si logo as não querem arrancar para comer, cortam-lhe a planta pelo pé, e assim estão estas raízes cinco, seis meses debaixo da terra em sua perfeição sem se danarem: e em São Vicente se conservam vinte, e trinta anos da mesma maneira. E tanto que as arrancão põem-na a curtir em água três quatro dias, e depois de curtidas, pisam-nas muito bem. Feito isto metem aquela massa em umas mangas compridas e estreitas que fazem de umas vergas delgadas, tecidas á maneira de cesto: e ali a espremem daquele sumo da maneira que não fique dele nenhuma cousa por esgotar: porque é tão peçonhento e em tanto extremo venenoso, que si uma pessoa ou qualquer outro animal o beber, logo naquele instante morrerá. E depois de assim a terem curada desta maneira põem um alguidar sobre o fogo em que a lançam, a qual está mexendo uma Índia até que o mesmo fogo lhe acabe de gastar aquela umidade e fique enxuta e disposta para se poder comer que será por espaço de meia hora pouco mais ou menos.

Este é o mantimento a que chamam farinha de pão, com que os moradores e gentio desta Província se mantém. Ha todavia farinha de duas maneiras: uma se chama de guerra e outra fresca. A de guerra se faz desta mesma raiz, e depois de feita fica muito seca e torrada de maneira que dura mais de um ano sem se danar. A fresca é mais mimosa e de melhor gosto: mas não dura mais que dous ou três dias, e como passa deles, logo se corrompe. Desta mesma mandioca, fazem outra maneira de mantimentos que se chamam beijús, os quais são de feição de obreias, mas mais grossos e alvos, e alguns deles estendidos da feição de filhós. Destes usam muito os moradores da terra, principalmente os da Bahia de Todos os Santos, porque são mais saborosos e de melhor desistam que a farinha.

Tão bem ha outra casta de mandioca que tem diferente propriedade desta, a que por outro nome chamam aipim, da qual fazem uns bolos em algumas Capitanias que parecem no sabor que excedem a pão fresco deste Reino. O sumo desta raiz não é peçonhento como o que sai da outra, nem faz mal a nenhuma cousa ainda que se beba. Tão bem se come a mesma raiz assada como batata ou inhame: porque de toda maneira se acha nela muito gosto. Além deste mantimento, ha na terra muito milho saburro de que se faz pão muito alvo, e muito arroz, e muitas favas de diferentes castas, e outros muitos legumes que abastam muito a terra.

Uma planta se da também nesta Província, que foi da ilha de São Thomé, com a fruta da qual se ajudam muitas pessoas a sustentar na terra. Esta planta é mui tenra e não muito alta, não tem ramos senão umas folhas que serão seis ou sete palmos de comprido. A fruta dela se chama bananas. Parecem-se na feição com pepinos, e criam-se em cachos: alguns deles ha tão grandes que tem de cento e cinquenta bananas para cima, e muitas vezes é tamanho o peso dela que acontece quebrar a planta pelo meio. Como são de vez colhem estes cachos, e dali a alguns dias amadurecem. Depois de colhidos cortam esta planta porque não frutifica mais que a primeira vez: mas tornam logo a nascer dela uns filhos que brotam do mesmo pé, de se fazem outros semelhantes. Esta fruta é mui saborosa, e das boas, que ha na terra: tem uma pele como de figo (ainda que mais dura) a qual lhe lançam fora quando a querem comer: mas faz dano á saúde e causa febre a quem se desmanda nela. Umas arvores ha tão bem nestas partes mui altas a que chamam Zabucáes: nas quais se criam uns vasos tamanhos como grandes cocos, quase da feição de jarras da Índia. Estes vasos são mui duros em grão maneira, e estão cheios de umas castanhas muito doces, e saborosas em extremo: e tem as bocas para baixo cobertas com umas sapadoiras que parece realmente não serem assim criadas da natureza, senão feitas por artificio de industria humana. E tanto que as tais castanhas são maduras Caim estas sapadoiras e dali começam as mesmas castanhas tão bem a cair pouco a pouco, até não ficar nenhuma dentro dos vasos.

Outra fruta ha nesta terra muito melhor, e mais prezada dos moradores de todas, que se cria em uma planta humilde junto do chão: a qual planta tem umas pencas como de erva babosa. A esta fruta chamam Ananases, e nascem como alcachofras, os quais parecem naturalmente pinhas, e são do mesmo tamanho, e alguns maiores. Depois que são maduros, tem um céiro mui suave e comem-se aparados feitos em talhadas. São tão saborosos, que a juízo de todos não ha fruta neste Reino que no gosto lhes faça vantagem, e assim fazem os moradores por eles mais, e os tem em maior estima que outro nenhum pomo que haja na terra.

(continua...)

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