Por Pero de Magalhães Gândavo (1576)
A ultima Capitania é a de São Vicente, a qual conquistou Martim Afonso de Sousa: tem quatro povoações. Duas delas estão situadas em uma ilha que divide um braço de mar da terra firme à maneira de rio. Estão estas povoações distantes do Rio de Janeiro, quarenta e cinco léguas em altura de vinte quatro grãos. Esse braço de mar que cerca esta ilha tem duas barras cada uma para sua parte. Uma delas é baixa e não muito grande, por onde não podem entrar se não embarcações pequenas, ao longo da qual está edificada a mais antiga povoação de todas a que chamam São Vicente. Uma légua e meia de outra barra (que é a principal por onde entram os navios grossos e embarcações de toda a maneira que vem a esta Capitania) está a outra povoação, chamada Santos, onde por respeito destas escalas, reside o Capitão ou o seu Logo tenente com os oficiais do Conselho e governo da terra. Cinco léguas para o Sul ha outra povoação a que chamam Hitanhaèm. Outra está doze léguas pela terra dentro chamada São Paulo, que edificaram os Padres da Companhia, onde ha muitos vizinhos, e a maior parte deles são nascidos das Índias naturais da terra, e filhos de Portugueses. Tão bem está outra ilha a par desta da banda do Norte, a qual divide da terra firme outro braço de mar, que se vem ajuntar com este: em cuja barra estão feitas duas fortalezas, cada uma de sua banda que defendem esta Capitania dos Índios e Corsários do mar com artilharia, de que estão mui bem apercebidas. Por esta barra se serviam antigamente, que é o lugar por onde costumavam os inimigos de fazer muito dano aos moradores. Outras muitas povoações ha por todas estas Capitanias alem destas de que tratei, onde residem muitos Portugueses, das quais não quis fazer menção por não ser meu intento dar notícia se não daquelas mais assinaladas que são as que tem oficiais de justiça e jurisdição sobre si como qualquer Vila ou Cidade destes Reinos.
CAPÍTULO IV - Da Governança que os moradores destas Capitanias tem nestas partes e a maneira de como se hão em seu modo de viver.
Depois que esta Província Santa Cruz se começou de povoar de Portugueses, sempre esteve instituída em uma governança na qual assistia Governador Geral por El Rey nosso Senhor com alçada sobre os outros Capitães que residem em cada Capitania. Mas porque de umas a outras ha muita distância e a gente vai em muito crescimento, repartiu-se agora em duas governações, convém a saber da Capitania de Porto Seguro para o Norte fica uma, e da do Espírito Santo para o Sul fica outra: e em cada uma delas assumiste seu Governador com a mesma alçada. O da banda do Norte reside na Bahia de Todos os Santos, e o da banda do Sul no Rio de Janeiro. E assim fica cada um em meio de suas jurisdições, para desta maneira poderem os moradores da terra ser melhor governados e á custa de menos trabalho.
E vindo ao que toca ao governo de vida e sustentação destes moradores, quanto ás casas em que vivem cada vez se vão fazendo mais custosas e de melhores edifícios: porque em principio não havia outras na terra se não de taipa e térreas, cobertas somente com palma. E agora ha já muitas sobradadas e de pedra e cal, telhadas e forradas como as deste Reino, das quais ha ruas mui compridas, e formosas nas mais das povoações de que fiz menção. E assim antes de muito tempo (segundo a gente vai crescendo) se espera que haja outros muitos edifícios e templos mui sumptuosos com que de todo se acabe nesta parte a terra de enobrecer.
Os mais dos moradores que por estas Capitanias estão espalhados, ou quase todos, tem suas terras de sesmaria dadas e repartidas pelos Capitães e Governadores da terra. E a primeira cousa que pretendem adquirir, são escravos para nelas lhes fazerem suas fazendas e si uma pessoa cega na terra a alcançar dous pares, ou meia dúzia deles (ainda que outra cousa não tenha de seu) logo tem remédio para poder honradamente sustentar sua família: porque um lhe pesca e outro lhe caça, os outros lhe cultivam e granjeiam suas roças e desta maneira não fazem os homens despesa em mantimentos com seus escravos, nem com suas pessoas. Pois daqui se pode inferir quanto mais serão acrescentadas as fazendas daqueles que tiverem duzentos, trezentos escravos, como ha muitos moradores na terra que não tem menos desta quantia, e daí para cima.
Estes moradores todos pela maior parte se tratam muito bem, e folgam de ajudar uns aos outros com seus escravos, e favorecem muito os pobres que começam a viver na terra. Isto geralmente se costuma nestas partes, e fazem outras muitas obras pias, por onde todos tem remédio de vida, e nenhum pobre anda pelas portas a mendigar como nestes Reinos.
CAPÍTULO V - Das plantas, mantimentos e frutas que há nesta Província.
São tantas e tão diversas as plantas, frutas, e ervas que ha nesta Província, de que se podiam notar muitas particularidades, que seria cousa infinita escreve-las aqui todas, e dar noticia dos efeitos de cada uma meudamente. E por isso nem farei agora menção se não de algumas em particular, principalmente daquelas de cuja virtude e fruto Participam os Portugueses.
(continua...)
GÂNDAVO, Pero de Magalhães. História da Província Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil. Lisboa: Oficina de António Gonçalves, 1576. Disponível em domínio público em: https://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=17411. Acesso em: 26 nov. 2025.