Por Machado de Assis (1865)
O carro funerário conduzia o cadáver de Carlota Durval, senhora de vinte e oito anos, morta no esplendor da beleza.
Os que acompanhavam o enterro, apenas dois o faziam por estima à finada: eram Luís Patrício e Valadares.
Os mais iam por satisfazer a vaidade do viúvo, um José Durval, homem de trinta e seis anos, dono de cinco prédios e de uma dose de fatuidade sem igual. Valadares e Patrício, na qualidade de amigos da finada, eram os únicos que traduziam no rosto a profunda tristeza do coração. Os outros levavam uma cara de tristeza oficial. Valadares e Patrício iam no mesmo carro.
— Até que morreu a pobre senhora, disse o primeiro ao fim de algum silêncio. — Coitada! murmurou o outro.
— Na flor da idade, acrescentava o primeiro, mãe de duas crianças tão bonitas, amadas por todos... Deus perdoe aos culpados!
— Ao culpado, que foi só ele. Quanto à outra, essa se não fora desinquietada... — Tens razão!
— Mas ele deve ter remorsos.
— Quais remorsos! É incapaz de os ter. Não o conheces, como eu? Ri e zomba de tudo. Isto para ele foi apenas um acidente; não lhe dá maior importância, acredita. Este pequeno diálogo dá já ao leitor uma idéia dos acontecimentos que precederam à morte de Carlota.
Como esses acontecimentos são o objeto destas linhas destinadas a apresentar o perfil desta quarta mulher, passo a narrá-los mui sucintamente.
Carlota casara com vinte e dois anos. Não sei por que apaixonara-se por José Durval, e menos ainda no tempo de solteira, de que depois de casada. O marido era para Carlota um ídolo. Só a idéia de uma infidelidade da parte dele bastava para matá-la. Viveram algum tempo no meio da mais perfeita paz, não que ele não desse à mulher motivos de desgosto, mas porque eram estes tão encobertos que nunca haviam chegado aos ouvidos da pobre moça.
Um ano antes Hortência B., amiga de Carlota, separava-se do marido. Dizia-se que era por motivos de infidelidade conjugal da parte dele; mas ainda que o não fosse, Carlota receberia a amiga em sua casa, tão amiga era dela.
Carlota compreendia as dores que podiam trazer a uma mulher as infidelidades do marido; por isso recebeu Hortência com os braços abertos e entusiasmo no coração. Era o mesmo que se uma rosa abrisse o seio confiante a um inseto venenoso. Dai a seis meses Carlota reconhecia o mal que tinha feito. Mas era tarde. Hortência era amante de José Durval.
Quando Carlota descobriu qual era a situação de Hortência em relação a ela, sufocou um grito. Era a um tempo, ciúme, desprezo, vergonha. Se alguma coisa podia atenuar a dor que ela sentia, era a covardia do ato de Hortência, que tão mal pagava a hospitalidade que obtivera de Carlota.
Mas o marido? Não era igualmente culpado? Carlota avaliou de um relance toda a hediondez do proceder de ambos, e resolveu romper um dia.
A frieza que começou a manifestar a Hortência, mais do que isso, a repugnância e o desdém com que a tratava, despertou no espírito desta a idéia de que era preciso sair de uma situação tão falsa.
Todavia, retirar-se simplesmente seria confessar o crime. Hortência dissimulou e um dia recriminou a Carlota os seus modos recentes de tratamento.
Então tudo se clareou.
Carlota, com uma cólera sufocada, lançou em rosto à amiga o procedimento que tivera em casa dela. Hortência negou, mas era negar confessando, pois que nenhum tom de
sinceridade tinha a sua voz.
Depois disso era necessário sair. Hortência, negando sempre o crime de que era acusada, declarou que sairia de casa.
— Mas isso não desmente, nem remedia nada, disse Carlota com os lábios trêmulos. É simplesmente mudar o teatro das suas loucuras.
Esta cena abalou a saúde de Carlota. No dia seguinte amanheceu doente. Hortência apareceu para falar-lhe, mas ela voltou o rosto para a parede. Hortência não voltou ao quarto, mas também não saiu da casa. José Durval impôs essa condição. — Que dirá o mundo? perguntava ele.
A pobre mulher foi obrigada a sofrer mais essa humilhação.
A doença foi rápida e benéfica, porque no fim de quinze dias Carlota expirava. Os leitores já assistiram ao enterro dela.
Quanto a Hortência, continuou a viver em casa de José Durval, até que se passassem os primeiros seis meses do luto, no fim dos quais casaram-se perante um concurso numeroso de amigos, ou pessoas que se davam por isso.
Supondo que os leitores terão curiosidade de saber o que sucedeu depois, aqui termino com uma carta escrita, depois de dois anos da morte de Carlota, por Valadares a L. Patrício.
Meu amigo. Corte, 12 de... — Vou dar-te algumas notícias que te hão de alegrar, como a mim, posto que a caridade evangélica nos manda lastimar as desgraças alheias. Mas há certas desgraças que parecem um castigo do céu e a alma sente-se satisfeita quando vê o crime punido.
(continua...)
ASSIS, Machado de. Cinco mulheres. Jornal das Famílias, Rio de Janeiro, 1865.