Por Machado de Assis (1873)
Era um rapaz de vinte e cinco anos, tez mui alva, bigode louro e sem barba nenhuma. Trazia o cabelo apartado no centro da cabeça. Os lábios eram tão rubros que um dos Valadares disse ao ouvido do outro: parece que os tingiu. Em suma, Luís Duarte era uma figura capaz de agradar a uma moça de vinte anos, e eu não teria grande repugnância em chamar-lhe um Adônis, se ele realmente o fosse. Mas não era. Dada a hora, saíram os noivos, os pais e os padrinhos, e foram à igreja, que ficava perto; os outros convidados ficaram em casa, fazendo as honras dela a menina Luísa e o jovem Rodrigo, a quem o pai foi chamar, e que apareceu logo trajado no rigor da moda.
– É um par de pombos, disse a Sra. D. Margarida Vilela, apenas saiu a comitiva. – É verdade! disseram em coro os dois irmãos Valadares e Justiniano Vilela. A menina Luísa, que era alegre por natureza, alegrou a situação, conversando com as outras moças, uma das quais, a convite seu, foi tocar alguma coisa ao piano. Calisto Valadares suspeitava que houvesse uma omissão nas Escrituras, e vinha a ser que entre as pragas do Egito devia ter figurado o piano. Imagine o leitor com que cara viu ele sair uma das moças do seu lugar e dirigir-se ao fatal instrumento. Soltou um longo suspiro e começou a contemplar as duas gravuras compradas na véspera.
– Que magnífico é isso! exclamou ele diante do Sardanapalo, quadro que achava detestável.
– Foi papai quem escolheu, disse Rodrigo, e foi essa a primeira palavra que pronunciou desde que entrou na sala.
– Pois, senhor, tem bom gosto, continuou Calisto; não sei se conhecem o assunto do quadro...
– O assunto é Sardanapalo, disse afoitamente Rodrigo.
– Bem sei, retrucou Calisto, estimando que a conversa pegasse; mas pergunto se... Não pode acabar; soaram os primeiros compassos.
Eduardo, que na sua qualidade de poeta, devia amar a música, aproximou-se do piano e inclinou-se sobre ele na posição melancólica de um homem que conversa com as musas. Quanto ao irmão, não tendo podido evitar a cascata de notas, foi sentar-se ao pé de Vilela, com quem travou conversa, começando por perguntar que horas eram no relógio dele. Era tocar na tecla mais preciosa do ex-chefe de seção.
– É já tarde, disse este com voz fraca; olhe, seis horas.
– Não podem tardar muito.
– Eu sei! A cerimônia é longa, e talvez não achem o padre...
Os casamentos deviam fazer-se em casa e de noite.
– É a minha opinião.
A moça terminou o que estava tocando; Calisto suspirou. Eduardo, que estava encostado ao piano, cumprimentou a executante com entusiasmo.
– Por que não toca mais alguma coisa? disse ele.
– É verdade, Mariquinhas, toca alguma coisa da Sonâmbula, disse Luísa obrigando a amiga a sentar-se.
– Sim! a Son...
Eduardo não pode acabar; viu em frente os dois olhos repreensivos do irmão e fez uma careta. Interromper uma frase e fazer uma careta podia ser indício de um calo. Todos assim pensaram, exceto Vilela, que, julgando os outros por si, ficou convencido de que algum grito agudo do estômago tinha interrompido a voz de Eduardo. E, como acontece às vezes, a dor alheia despertou a própria, de maneira que o estômago de Vilela formulou um verdadeiro ultimatum, ao qual o homem cedeu, aproveitando a intimidade que tinha na casa e indo ao interior sob pretexto de dar exercício às pernas.
Foi uma felicidade.
A mesa, que já tinha em cima de si alguns acepipes convidativos, apareceu como uma verdadeira fonte de Moisés aos olhos do ex-chefe de seção. Dois pastelinhos e um croquette foram os parlamentares que Vilela mandou ao estômago rebelado e com os quais aquela víscera se conformou.
No entanto D. Mariquinhas fazia maravilhas ao piano; Eduardo encostado à janela parecia meditar um suicídio, ao passo que o irmão brincando com a corrente do relógio umas confidências de Dona Margarida a respeito do mau serviço dos escravos. Quando Rodrigo, passeava de um lado para outro, dizendo de vez em quando em voz alta:
– Já tardam!
Eram seis horas e um quarto; nada de carros, algumas pessoas já estavam impacientes. Às seis e vinte minutos ouviu-se um rumor de rodas; Rodrigo correu à janela: era um tuburi. Às seis e vinte e cinco minutos todos supuseram ouvir o rumor dos carros.
– É agora, exclamou uma voz.
Não era nada. Pareceu-lhes ouvir por um efeito (desculpem a audácia com que eu caso este substantivo a este adjetivo) por um efeito de miragem auricular.
Às seis e trinta e oito minutos apareceram os carros. Grande alvoroço na sala; as senhoras correram às janelas. Os homens olharam uns para os outros como conjurados que medem as suas forças para uma grande surpresa. Toda a comitiva entrou. As escravas da casa, que espreitavam do corredor a entrada dos noivos, causaram uma verdadeira surpresa à sinhá moça, deitando-lhe sobre a cabeça um dilúvio de folhas de rosa. Cumprimentos e beijos, houve tudo quanto se faz em tais ocasiões.
O Sr. José Lemos estava contentíssimo, mas caiu-lhe água na fervura quando soube que o tenente Porfírio não tinha chegado.
– É preciso mandá-lo chamar.
(continua...)
Caroline Alves em 26/10/2025