Por Pero de Magalhães Gândavo (1576)
A causa principal que me obrigou a lançar mão da presente historia, e sair com ela a luz, foi por não haver até gora pessoa que a empreendesse, havendo já setenta e tantos anos que esta Província É descoberta. A qual historia creio que mais esteve sepultada em tanto silencio, pelo pouco caso que os portugueses fizeram sempre da mesma província, que por faltarem na terra pessoas de engenho, e curiosas que per melhor estilo, e mais copiosamente que eu a escrevessem. Porém já que os estrangeiros a tem noutra estima, e sabem suas particularidades melhor e mais de raiz que nós (aos quais lançaram já os portugueses fora dela à força d'armas por muitas vezes) parece cousa decente e necessária terem também os nossos naturais a mesma noticia, especialmente pera que todos aqueles que nestes Reinos vivem em pobreza não duvidem escolhe-la para seu emparo: porque a mesma terra é tal, e tão favorável aos que a vão buscar, que a todos agasalha e ouvida com remédio por pobres e desamparados que sejam. E também ha nela cousas dignas de grande admiração e tão notáveis que parecera descuido e pouca curiosidade nossa, não fazer menção delas em algum discurso, e da-las à perpetua memória, como costumavam os antigos: aos quais não escapava cousa alguma que por extenso não reduzissem a história, e fizessem menção em suas escrituras de cousas menores que estas, as quais hoje em dia vivem entre nós como sabemos, e viverão eternamente. E se os antigos portugueses, e ainda os modernos não foram tão pouco afeiçoados à escritura como são; não se perderão tantas antiguidades entre nós, de que agora carecemos, nem houvera tão profundo esquecimento de muitas cousas, em cujo estudo têm muitos homens doutos cansado, e revolvido grande copia de livros sem as poderem descobrir nem recuperar da maneira que passarão. Daqui vinha aos Gregos e Romanos haverem todas as outras nações por barbaras, e na verdade com rezão lhes podiam dar este nome, pois eram tão pouco solícitos, e cobiçosos de honra que por sua mesma culpa deixavam morrer aquelas cousas que lhes podiam dar nome, e faze-los imortais. Como pois a escritura seja vida da memória, e a memória uma semelhança da imortalidade a que todos devemos aspirar, pela parte que dela nos cabe, quis movido destas razões, fazer esta breve historia, pera cujo ornamento não busquei epítetos esquisitos, nem outra formosura de vocábulos de que os eloqüentes Oradores costumam usar pera com artificio de palavras engrandecerem suas obras. Somente procurei escrever esta na verdade por um estilo facil, e chão, como meu fraco engenho me ajudou, desejoso de agradar a todos os que dela quiserem ter noticia. Pelo que devo ser desculpado das faltas que aqui me podem notar: digo dos discretos, que com são zelo o costumam fazer que dos idiotas e mal dissentes bem sei que não hei de escapar, pois está certo não perdoarem a ninguém.
Baixar texto completo (.txt)GÂNDAVO, Pero de Magalhães. História da Província Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil. Lisboa: Oficina de António Gonçalves, 1576. Disponível em domínio público em: https://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=17411. Acesso em: 26 nov. 2025.