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#Relatos#Literatura Brasileira

História da Província de Santa Cruz

Por Pero de Magalhães Gândavo (1576)

Aqui se detiveram alguns dias com estes moradores: os quais vendo-lhes algumas ferramentas que eles levavam consigo perguntaram-lhes de quem as haviam, ou porque meios lhes vinham ter ás mãos. Responderam-lhe que uma certa gente habitava ao longo da costa da banda do Oriente, que tinha barba e outro parecer diferente, de que as alcançavam, que são os Portugueses. Os mesmos sinais lhes deram estoutros dos Castelhanos do Peru, dizendo-lhes que tão bem da outra banda tinham noticia haver gente semelhante, então lhes deram certas rodelas todas chapadas douro, e esmaltadas de esmeraldas, e lhes pediram que as levassem, para que se acaso fossem ter com eles a suas terras lhes dissessem que se a troco daquelas peças e outras semelhantes lhes queriam levar ferramentas, e ter comunicação com eles, o fizessem que estavam prestes para os receber com muito boa vontade. Depois disto partiram-se daí e foram dar em o Rio das Amazonas, onde se embarcaram em algumas canoas que fizeram e a cabo de terem navegado por ele acima dous anos, chegaram á Província do Quito, terra do Peru, povoada de Castelhanos. Os quais vendo esta nova gente espantaram-se muito, e não sabiam determinar donde eram, nem a que vinham. Mas logo foram conhecidos por gentio da Província Santa Cruz de alguns Portugueses que então na mesma terra se acharam. E perguntando por eles a causa de sua vinda contaram-lhes o caso meudamente fazendo-os sabedores de tudo o que lhes havia sucedido. E isto veio-nos á noticia, e assim por via dos Castelhanos do Peru, onde estas rodelas foram vendidas por grande preço, como pela dos mesmos Portugueses que lá estavam quando isto aconteceu, com os quais falaram alguns homens deste Reino, pessoas de autoridade e dignas de credito, que testificam ouvirem-lhes afirmar tudo isto por extenso da maneira que digo. E sabe-se de certo que está toda esta riqueza nas terras da Conquista de El Rei de Portugal, e mais perto sem comparação das povoações dos Portugueses, que dos Castelhanos. Isto se mostra claramente no pouco tempo que puseram estes Índios em chegar a ela, e no muito que despenderam em passarem daí ao Peru, que foram dous anos, como já disse. Alem da certeza que por esta via temos ha outros muitos Índios na terra que tão bem afirmam haver no sertão muito ouro, os quais posto que são gente de pouca fé e verdade, dá-se-lhes credito nesta parte, porque acerca disto os mais deles são contestes, e falam em diversas partes per uma boca. Principalmente é publica fama entre eles que ha uma légua mui grande no interior da terra donde procede o Rio de São Francisco, de que já tratei, dentro da qual dizem haver algumas ilhas e nelas edificadas muitas povoações, e outras ao redor dela mui grandes onde tão bem ha muito ouro e mais quantidade, segundo se afirma, que em nenhuma outra parte desta Província. Tão bem pela terra dentro não muito longe do Rio da Prata descobriram os Castelhanos uma mina de metal da qual se tem levado ouro ao Peru e de cada quintal dele dizem que se tirou quinhentos e setenta cruzados e de outro trezentos e tantos: o de mais que dela se tira é cobre infinito.

Tão bem descobriram outras minas de umas certas pedras brancas e verdes, e de outras cores diversas, as quais são todas de cinco, seis quinas cada uma, á maneira de diamantes, e tão bem lavradas da natureza, como se per industria humana o foram. Estas pedras nascem em um vaso como Coco, o qual é todo oco com mais de quatrocentas pedras ao redor, todas enxeridas na pedreira com as pontas para fora. Alguns destes pedernais se acham ainda imperfeitos, porque dizem que quando são de vez, que por si arrebentam com tanto estrondo, como se disparasse um exercito de arcabuzes: e assim acharam muitas, que com a fúria, segundo dizem, se metem pela terra um e dous estádios.

Do preço delas não trato aqui, porque ao presente o não pude saber, mas sei que assim destas como doutras ha nesta Província muitas e mui finas, e muitos metais, donde se pode conseguir infinita riqueza. A qual permitirá Deus que ainda em nossos dias se descubra toda, para com ela se aumente muito a Coroa destes Reinos: aos quais desta maneira esperamos, mediante o favor divino, ver muito cedo postos em feliz e prospero estado, que mais se não possa desejar.

FIM




(continua...)

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