Letras+ | Letródromo | Letropédia | LiRA | PALCO | UnDF



Compartilhar Reportar
#Relatos#Literatura Brasileira

História da Província de Santa Cruz

Por Pero de Magalhães Gândavo (1576)

Por todas as Capitanias desta Província estão edificados Mosteiros dos Padres da Companhia de Jesus e feitas em algumas partes algumas Igrejas entre os Índios que são de paz onde residem alguns Padres para os doutrinar e fazer Cristãos: o que todos aceitam facilmente sem contradição alguma porque como eles não tenham nenhuma Lei nem cousa entre si que adorem, É-lhes muito fácil tomar esta nossa. E assim tão bem com a mesma facilidade, por qualquer cousa leve a tornam a deixar, e muitos fogem para o sertão, depois de batizados e instruídos na doutrina cristã; e porque os Padres vêm a inconstância que ha neles, e a pouca capacidade que têm para observarem os mandamentos da Lei de Deus, principalmente os mais antigos, que são aqueles em que menos frutifica a semente de sua doutrina, procuram em especial planta-la em seus filhos, os quais levam de meninos instruídos nela. E desta maneira se tem esperança, mediante a divina graça, que pelo tempo adiante se vá edificando a Religião Cristã por toda esta Província, e que ainda nela floresça universalmente a nossa Santa Fé Católica, e mo noutra qualquer parte da Cristandade.

E para que o fruto desta doutrina se não perdesse antes de cada vez fosse em mais crescimento, determinaram os mesmos Padres de atalhar todas as ocasiões que lhe podiam da nossa parte ser impedimento e causa de escândalo, e prejuízo ás consciências dos moradores da terra. Porque como estes Índios cobiçam muito algumas cousas que vão deste Reino, convém a saber, camisas, pelotes, ferramentas, e outras peças semelhantes vendiam-se a troco delas uns aos outros aos Portugueses: os quais a voltas disto salteavam quantos queriam, e faziam-lhes muitos agravos, sem ninguém lhes ir á mão. Mas já agora não ha esta desordem na terra, nem resgates como soía. Porque depois que os Padres viram a sem razão que com eles se usava, e o pouco serviço de Deus que daqui se seguia, proveram neste negócio e vedaram, como digo, muitos saltos que faziam os mesmos Portugueses por esta costa, os quais encarregavam muito suas consciências com cativarem muitos Índios contra direito, e moverem-lhes guerras injustas. E para evitarem tudo isto, ordenaram o Padres, e fizeram com os Governadores e Capitães da terra que não houvesse mais resgates daquela maneira, nem consentissem que fosse nenhum Português a suas aldeias sem licença do seu mesmo Capitão. E se algum faz o contrario, ou os agrava per qualquer via que seja ainda que vá com licença pelo mesmo caso é mui bem castigado conforme a sua culpa.

Alem disto para que nesta parte haja mais desengano, quantos escravos agora vêm novamente do sertão ou de umas Capitanias para outras, todos levam primeiro a alfândega e ali os examinam, e lhes fazem perguntas, quem os vendeu, ou como foram resgatados, porque ninguém os pode vender senão seus pais, se for ainda com extrema necessidade ou aqueles que em justa guerra os cativam: e os que acham mal adquiridos põem-nos em sua liberdade. E desta maneira quantos Índios se compram são bem resgatados, e os moradores da terra não deixam por isso de ir muito avante com suas fazendas.

Outros muitos benefícios e obras pias têm feito estes Padres e fazem hoje em dia nestas partes, a que com verdade se não pode negar muito louvor. E porque elas são tais que por si se apregoam pela terra, não me quis entremeter a trata-las aqui mais por extenso: basta sabermos quam aprovadas são em toda parte suas obras por santas e boas, e que sua tenção não é outra senão dedica-las a nosso Senhor, de quem somente esperam a gratificação e prêmio de suas virtudes.

CAPÍTULO XIV - Das grandes riquezas que se esperam da terra do sertão.

Esta Província Santa Cruz alem de ser tão fértil como digo, e abastada de todos os mantimentos necessários para a vida do homem, é certo ser tão bem mui rica, e haver nela muito ouro e pedraria, de que se tem grandes esperanças. E a maneira como isto se veio a denunciar e ter por causa averiguada foi por via dos Índios da terra. Os quais como não tenham fazendas que os detenham em suas pátrias, e seu intento não sejam outro senão buscar sempre terras novas, afim de lhes parecer que acharão nelas imortalidade e descanso perpetuo, aconteceu levantarem-se uns poucos de suas terras, e meterem-se pelo sertão dentro: onde depois de terem entrado algumas jornadas, foram dar com outros Índios seus contrários, e ali tiveram com eles grande guerra. E por serem muitos, e lhes darem nas costas, não se puderam tornar outra vez a suas terras: por onde lhes foi forçado entrar pela terra dentro muitas léguas. E pelo trabalho e má vida que neste caminho passaram, morreram muitos deles, e os que escaparam foram dar em uma terra, onde havia algumas povoações mui grandes, e de muitos vizinhos, os quais possuíam tanta riqueza que afirmaram haver ruas mui compridas entre eles, nas quais se não fazia outra cousa senão lavar peças douro e pedrarias.

(continua...)

12345678910111213141516171819202122232425
Baixar texto completo (.txt)

← Voltar← AnteriorPróximo →