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#Relatos#Literatura Brasileira

História da Província de Santa Cruz

Por Pero de Magalhães Gândavo (1576)

Outros peixes ha a que chamam Camboropins que são quase tamanhos como atuns. Estes têm umas escamas mui duras e maiores que os outros peixes; tão bem se matam com arpões, e quando querem pesca-los põem-se em alguma ponta ou pedra ou em outro qualquer posto acomodado a esta pescaria. E o que é bom pescador, para que não faça tiro em vão, quando os vêem vir deixa-os primeiro passar e espera até que fiquem a jeito que possa arpoa-los por detrás, de maneira que o arpam entre no peixe sem as escamas o impedirem, porque são, como digo, tão duras que se acerta a dar nelas de maravilha as pode penetrar. Este é um dos melhores peixes que ha nestas partes, porque alem de ser muito gostoso, é tão bem muito sadio, e mais enxuto de sua propriedade que outro algum que na terra se coma. Tão bem ha outra casta deles, a que chamam Tãooatás, que são pouco mais ou menos do tamanho de sardinhas, e não se criam senão em água doce. Estes peixes são todos cobertos de umas conchas distintas naturalmente como laminas, com as quais andam armados da maneira dos Tatus, de que atras fiz menção, e são muito saborosos, e os moradores da terra os têm em muita estima.

Ha tão bem um certo gênero de peixes pequeninos da feição de xarrocos, a que chamam Mayacús: os quais são mui peçonhentos por extremo, especialmente a pele o é tanto, que se uma pessoa gostar um só bocado dela, logo naquela mesma hora dará fim a sua vida, porque não ha nem se sabe nenhum remedio na terra que possa apagar nem deter por algum espaço o ímpeto deste mortífero veneno. Alguns Índios da terra se aventuraram a come-los depois que lhe tiram a pele e lhe lançam fora por baixo toda aquela parte onde dizem que tem a força da peçonha. Mas sem embargo disso, não deixam de morrer algumas vezes. Estes peixes tanto que saem fora da água incham de maneira, que parecem uma bexiga cheia de vento; e alem de terem esta qualidade são tão mansos que os podem tomar ás mãos sem nenhum trabalho; e muitas vezes andam á borda da água tão quietos, que não os verá pessoa que se não convide a toma-los, e ainda a come-los se não tiver conhecimento deles.

Outros peixes não sinto nestas partes de que possa fazer aqui particular menção: em todos os demais, não ha como digo, muita diferença dos de cá, e a maior parte deles são da mesma casta, mas muito mais saborosos, e tão sadios que não se vedam nem fazem mal aos doentes, e para quaisquer enfermidades são muito leves, e de toda maneira que os comam não ofendem á saúde.

Não me pareceu tão bem cousa fora do propósito tratar aqui alguma cousa das baleias do âmbar, que dizem que procede delas. E o que acerca disto sei, que há muitas nestas partes, as quais costumam vir d'arribação a esta costa, em uns tempos mais que outros, que são aqueles em que assinaladamente sai o âmbar que o mar de si lança fora em diversas partes desta Província, e daqui vem a muitos terem para si que não é outra cousa este âmbar, senão esterco de baleias e assim lho chamam os Índios da terra pela sua língua, sem lhe saberem outro nome. Outros querem dizer que é sem nenhuma falta a esperma da mesma baleia. Mas o que se tem por certo (deixando estas e outras erradas opiniões aparte) é que nasce este licor no fundo do mar, não geralmente em todo, mas em algumas partes dele, que a natureza acha dispostas para o criar. E como o tal licor seja manjar das baleias, afirma-se que comem tanto dele até se embebedarem, e que estes que sai nas praias é o sobejo que elas arremessão.

E se isto assim não fora desta maneira e ele procedera das mesmas baleias por qualquer das outras vias que acima fica dito, crer é, que tão bem houvera da mesma maneira em qualquer outra costa destes Reinos, pois em toda parte do mar são gerais. Quanto mais que nesta Província de que trato se fez já experiência em muitas delas que saíram á costa e dentro das tripas de algumas acharam muito âmbar cuja virtude iam já digerindo, por haver algum espaço que o tinham comido. E noutras lê acharam no bucho outro ainda fresco, e em sua perfeição, que parecem que o acabaram de comer naquela hora antes que morressem. Pois o esterco naquela parte onde a natureza o despede não tem nenhuma semelhança de âmbar, nem se enxerga nele ser menos digesto que o dos outros animais. Por onde se mostra claro, que a primeira opinião não fica verdadeira, nem a segunda tão pouco o pode ser: porque a esperma destas baleias, é aquilo a que chamam balso, de que ha por esse mar grande quantidade, o qual dizem que aproveita para feridas e por tal é conhecido de toda pessoa que navega. Este âmbar todo quando logo sai vem solto como sabão, e quase sem nenhum cério, mas daí a poucos dias se endurece, e depois disso fica tão odorífero como todos sabemos.

Ha todavia âmbar de duas castas, s. um pardo, a que chamam gris, outro preto: o pardo é mui fino e estimado em grande preço em todas as partes do mundo: o preto é mais baixo nos quilates do céiro, e presta para muito pouco segundo o que dele se tem alcançado: mas de um e doutro ha saído muito nesta Província e sai hoje em dia. de que alguns enriqueceram e enriquecem cada hora, como é notório.

(continua...)

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