Por Pero de Magalhães Gândavo (1576)
Ha nesta Província muitas aves de rapina mui fermosas e de varias castas, convém a saber, Águias, Açores, e Gaviões, e outras doutros gêneros diversos, e cores diferentes, que tão bem têm a mesma propriedade. As Águias são mui grandes e forçosas, e assim remetem com tanta fúria a qualquer ave, ou animal que querem prear, que ás vezes acontece nestas virem algumas tão desatinadas seguindo a preza que marrão nas casas dos moradores, ali caem à vista da gente sem mais se poderem levantar. Os Índios da terra as costumam tomar em seus ninhos quando são pequenas e criam-nas em umas sorças para depois de grandes se aproveitarem das penas em suas galanterias acostumadas.
Os Açores são como os de cá, ainda que ha um certo gênero deles que têm os pés todos velozes, e tão cobertos de pena que escassamente se lhes enxergam as unhas. Estes são muito ligeiros e de maravilha lhes escapa ave, ou qualquer outra caça a que remetam. Os Gaviões tão bem são mui destros e forçosos: especialmente uns pequenos como esmerilões, em sua quantidade o são tanto, que remetem a uma perdis, e a levam nas unhas para onde querem, e juntamente são tão atrevidos, que muitas vezes acontece de ferirem a qualquer ave e apanha-la dentre a gente sem se quererem retirar nem larga-la por muito que os espantem.
As outras aves que na terra se comem, e de que os moradores se aproveitam são as seguintes:
Há um certo gênero delas, a que chamam Macucocagoàs, que são pretas, e maiores que galinhas: as quais têm três ordens de titelas, são mui gordas e tenras, e assim os moradores as têm em muita estima: porque são elas muito saborosas, e mais que outras algumas que entre nós se comam.
Tão bem ha outras quase tamanhas como estas, a que chamam Jacus e nós lhe chamamos galinhas do mato. São pardas e pretas, e tem um circulo branco na cabeça e o pescoço vermelho. Matam-se na terra muitas delas e pelo conseguinte são mui saborosas, e das melhores que ha no mato.
Ha tão bem na terra muitas perdizes, pombas e rolas como as deste Reino, e muitos patos e adens bravas pelas léguas e rios desta costa, e outras muitas aves de diferentes castas que não são menos saborosas e sadias que as melhores que cá entre nós se comem, e tem mais estima.
Papagaios ha nestas partes muitos de diversas castas e mui formosos, como cá se vêm alguns por experiência. Os melhores de todos, e que mais raramente se acham na terra, são uns grandes maiores que açores a que chamam Arapurus. Estes papagaios são variados de muitas cores, e criam-se muito longe pelo sertão dentro, e depois que os tomam, vêm a ser tão domésticos, que põem ovos em casa e acomodam-se mais à conversação da gente que outra qualquer ave que haja por mais domestica e mansa que seja. E por isso são tidos na terra em tanta estima que val cada um entre os Índios dous, três escravos. E assim os Portugueses que os alcançam os tem na mesma estima: porque são eles alem disso muito belos, e vestidos como digo de cores mui alegres e tão finas, que excedem na formosura a todas quantas aves ha nestas partes.
Ha outros quase do tamanho destes, a que chamam Canindés que são todos azuis: salvo nas azas que tem algumas penas amarelas. Tão bem são muito formosos, e estimados em grande preço de toda pessoa que os alcança.
Tão bem se acham outros do mesmo tamanho pelo sertão dentro a que chamam Araras os quais são vermelhos semeados de algumas penas amarelas, e tem as azas azuis, e um rabo muito comprido e formoso. Os outros mais pequenos, que mais facilmente falam e melhor de todos, são aqueles a que na terra comumente chamam papagaios verdadeiros: os quais trazem os Índios do sertão a vender aos Portugueses a troco de resgates. Estes são pouco mais ou menos do tamanho de pombas verdes claros, e tem a cabeça quase toda amarela, e os encontros das azas vermelhos.
Outro gênero deles ha pela costa entre os Portugueses do tamanho destes, a que chamam corícas: os quais são vestidos de uma pena verde escura, e tem a cabeça azul da cor de rosmaninho. Destes papagaios ha na terra mais quantidade do que cá entre nós ha de gralhas ou de estorninhos e não são tão estimados como os outros porque gazeiam muito, e alem disso falam dificultosamente, e á custa de muita industria. Mas quando vem a falar passam pelos outros e fazem-lhe nesta parte muita vantagem, e por isso os Índios da terra costumam depenar alguns em quanto são novos e tingi-los com o sangue de umas certas rãs, com outras misturas que lhe ajuntam, e depois que se tornam a cobrir de pena ficam nem mais nem menos da cor dos verdadeiros: e assim acontece mui vezes enganarem com eles a algumas pessoas, vendendo-lhes por tais.
Ha tão bem uns pequeninos que vêm do sertão pouco maior que pardais, a que chamam Tuins aos quais vestiu a natureza de uma pena verde muito fina sem outra nenhuma mistura, e tem o bico e pernas brancas, e um rabo muito comprido. Estes tão bem falam, e são muito formosos e aprazíveis em extremo.
Outros ha pela costa tamanhos como melros, a que chamam Marcanáos, os quais tem a cabeça grande, e um bico muito grosso: tão bem são verdes e falam como cada um dos outros.
(continua...)
GÂNDAVO, Pero de Magalhães. História da Província Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil. Lisboa: Oficina de António Gonçalves, 1576. Disponível em domínio público em: https://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=17411. Acesso em: 26 nov. 2025.