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#Relatos#Literatura Brasileira

História da Província de Santa Cruz

Por Pero de Magalhães Gândavo (1576)

Outro gênero de animais ha na terra, a que chamam Tamanduás que serão tamanhos como carneiros, os quais são pardos e tem um focinho muito comprido e delgado para baixo; a boca não tem rasgada como a dos outros animais, e é tão pequena, que escassamente caberão por ela dous dedos: tem uma língua muito estreita e quase de três palmos em cumprido. As fêmeas tem duas tetas no peito como de mulher, e o ubre lançado em cima do pescoço entre as pás, donde lhes desce o leite ás mesmas tetas com que criam os filhos. E assim tem mais cada um deles duas unhas em cada mão, tão compridas como grandes dedos, largas á maneira de escouparo. Tão bem pelo conseguinte tem um rabo mui cheio de sedas, e quase tão compridas com as de um cavalo. Todos estes extremos que se acham nestes animais, são necessários para conservação de sua vida, porque não comem outra cousa se não formigas. E como isto assim seja vão-se com aquelas unhas arranhar nos formigueiros onde as ha, e tanto que as tem agravadas lançam a língua fora e põem-na ali naquela parte onde arranharão, a qual como se enche delas recolhem para dentro da boca, e tantas vezes fazem isto, até que se acabam de fartar. E quando se querem agasalhar ou esconder de alguma cousa, levantam aquele rabo e lançam-no por cima de si, debaixo de cujas sedas ficam todos cobertos sem se enxergar deles cousa alguma.

Bogios ha na terra muitos e de muitas castas como já se sabe: e por serem tão conhecidos em toda a parte não particularizei aqui suas propriedades tanto por extenso. Somente tratarei em breves palavras alguma cousa destes de que particularmente entre os outros se pode fazer menção.

Ha uns ruivos, não muito grandes que derramam de si um cheiro mui suave a toda a pessoa que a eles se chega, e se os tratam com as mãos, ou se acertam de suar, ficam muito mais odoríferos e lançam o cheiro a todos os circunstantes: destes ha mui poucos na terra, e não se acham se não pelo sertão dentro muito longe.

Outros ha pretos maiores que estes, que tem barba como homem, os quais são tão atrevidos, que muitas vezes acontece frecharem os Índios alguns, e eles tirarem as frechas do corpo com suas próprias mãos, e tornarem a arremessa-las a quem lhes atirou. Estes são mui bravos de natureza, e mais esquivos de todos quanto ha nestas partes.

Ha tão bem uns pequeninos pela costa, de duas castas pouco maiores que doninhas, a que comumente chamam Sagois, convém a saber, ha uns louros, e outros pardos: os louros tem um cabelo muito fino, e na semelhança do vulto e feição do corpo quase se querem parecer com leão: são muito ferozes e não os ha se não no Rio de Janeiro. Os pardos se acham daí para o Norte em todas as mais Capitanias. Tão bem são muito aprazíveis, mas não tão alegres, á vista como estes. E assim uns como outros são tão mimosos e delicados de sua natureza, que como os tiram da pátria e os embarcam para este Reino tanto que chegam a outros ares mais frios quase todos morrem no mar, e não escapa se não algum de grande maravilha.

Ha tão bem pelo mato dentro cobras mui grandes e de muitas castas a que os Índios dão diversos nomes, conforme as suas propriedades. Umas ha na terra tão disformes de grandes, que engolem um veado, ou qualquer outro animal semelhante todo inteiro. E isto não é muito para espantar, pois vemos que nesta nossa pátria, ha hoje em dia cobras bem pequenas, que engolem uma lebre ou coelho da mesma maneira tendo um colo que á vista parece pouco mais grosso que um dedo: e quando vem a engolir estes animais alarga-se, e dá de si de maneira, que passam por ele inteiros, e assim os estão sorvendo até os acabarem de meter no bucho, como entre nós é notório. Quanto mais estoutras de que trato, que por razão de sua grandeza fica parecendo a quem nas viu menos dificultoso engolirem qualquer animal da terra por grande que seja. Outras ha doutra casta diferente não tão grandes como estas: mas mais venenosas: as quais têm na ponta do rabo uma cousa que soa quase como cascavel, e por onde quer que vão sempre andam rugindo e os que as ouvem têm cuidado de se guardarem delas.

Além destas ha outras muitas na terra, doutras castas diversas, que aqui não refiro por escusar prolixidade, as quais pela maior parte são tão nocivas e peçonhentas, (especialmente umas a que chamam jararacas) que se acertam de morder alguma pessoa de maravilha escapa, e o mais que dura são vinte e quatro horas.

Tão bem ha Lagartos mui grandes pelas lagoas e rios de água doce, cujos testículos cheiram melhor que almisquere; e a qualquer roupa que os chegam, fica o céiro pegado por muitos dias.

Outros muitos animais e bichos venenosos ha nesta Província, de que não trato, os quais são tantos em tanta abundância, que seria historia mui comprida nomea-los aqui todos, e tratar particularmente da natureza de cada um, havendo, como digo, infinidade deles nestas partes, aonde pela disposição da terra, e dos climas que a senhoreiam, não pode deixar de os haver. Porque como os ventos que procedem da mesma terra se tornem inficionados das podridões das ervas, matos e alagadiços geram-se com a influencia do Sol que nisto concorre, muitos e mui peçonhentos, que per toda a terra estão esparzidos, e a esta causa se criam e acham nas partes marítimas, e pelo sertão dentro infinitos da maneira que digo.

CAPÍTULO VII - Das aves que há nesta Província.

Entre todas as cousas de que na presente historia se pode fazer menção, a que mais aprazível e fermosa se oferece á vista humana é a grande variedade das finas e alegres cores das muitas aves que nesta Província se criam, as quais por serem tão diversas em tanta quantidade, não tratarei senão somente daquelas de que se pode notar alguma cousa e que na terra mais estimadas dos Portugueses e Índios que habitam estas partes.

(continua...)

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